quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O Labirinto e o Andarilho

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Livre arbítrio, por definição, é o poder de escolha que uma pessoa tem, sempre que lhe seja necessário escolher que ação tomar, é o seu poder de decisão. Em termos gerais, no que tange a ética, é convencionado que a pessoa sempre tem a condição de decidir. Por isto, é cobrada a responsabilidade pelas suas ações. Porém, não é tão simples assim, considerando que dentre as diversas linhas de pensamento, o livre arbítrio sempre está condicionado, em maior ou menor escala, a influencias de agentes. Por exemplo, psicologicamente, um indivíduo tem influencias do subconsciente que interferem diretamente nas suas escolhas, dentre vários outros fatores.

A teologia cristã prega, comumente, que o individuo tem o livre arbítrio, ou seja, a faculdade de escolha de qual caminho poderá seguir (apesar de apresentar conseqüências drásticas, se não seguir o caminho indicado como sendo o correto), e que Deus, apesar de ser onisciente e onipotente, e consequentemente saber o que reserva o futuro de cada pessoa, não interfere diretamente impondo sua vontade. Assim sendo, Deus apenas sabe quais as escolhas serão tomadas, apesar de o individuo sempre ter a opção de escolher algo diferente, utilizando-se do seu Livre Arbítrio. Eis que surge um pequeno paradoxo. Como poderia haver um Destino traçado (já que é possível a Deus conhece-lo), sendo que existe o direito de optar por escolhas que nos levariam a rumos diferentes. Simples, nossas escolhas nos levam ao nosso destino. O destino seria imutável e nossas escolhas apenas nos conduzem, mais rapidamente ou através de percursos maiores, aos lugares onde inevitavelmente deveríamos chegar. Claro que com isto o nosso livre arbítrio realmente fica limitado. Imagine que um pequeno camundongo, dentro de um labirinto sem saídas, tem a ilusão de que poderá encontrar, um dia, a saída. Como ele está se movimentando, e cuidadosamente escolhe seus caminhos, ele sempre se distância do ponto de partida, logo, tem a ilusão de que está cada vez mais próximo da saída, e talvez, se pudesse refletir suficientemente a respeito, acreditaria que sempre que se depara com um cruzamento de vários corredores, poderia ao escolher um, estar mudando seu destino, e aproximando-se mais do seu objetivo – que é escapar. Infelizmente para nosso bichinho, ele jamais irá sair, já que este labirinto não possui saída. Apesar de sua crença, sobre o livre arbítrio, e mesmo com todo seu esforço, que acredita ser necessário para que consiga sair, ele jamais poderá ultrapassar os limites do labirinto, e do seu destino.




Caso o camundongo em questão acreditasse que seu destino fosse ficar no labirinto para sempre, poderia optar em não seguir nenhum rumo, ficando parado em algum ponto do labirinto ou vagando (retornando a pontos já percorridos), sem a menor pretensão de encontrar a saída. Neste caso, já que realmente não havia saída, nosso camundongo estaria ciente do seu destino, porém ainda assim, no que tange a ficar ou sair do labirinto, não teria livre arbítrio.

Assim que fica nosso livre arbítrio, limitado, caso realmente exista um destino. Considerando que a experiência direta, a convenção moral e ainda o próprio pensamento religioso ocidental, defendem que o livre arbítrio realmente existe, pode se concluir que o que realmente não exista seja o Destino. Já que um e outro não poderiam co-existir. Talvez a crença em um destino individual, além da esperança reconfortante que apregoa, se deve ao fato de que existem coisas que podemos de certa forma prever. Maktub (está escrito), termo que geralmente é relacionado ao destino, refere-se na verdade sobre a lei da causa e efeito. Temos a certeza de que existem coisas que estão destinadas, e ninguém em pleno exercício de suas capacidades mentais, diria que estas não existem. Uma maçã ao se soltar do alto de uma maciera, tem seu destino traçado, já que pela ação do tempo e da gravidade, logo, ela estará no chão, o que é possível prever (alguns místicos poderiam dizer que seu destino era ainda maior, que no chão ela estaria iniciando o processo para um dia se tornar uma bela arvore e gerar suas próprias maçãs). O destino das águas de um rio, também é certo, mesmo que passe por outros rios ao longo de seu caminho, mesmo que desvie seu rumo ao contornar uma grande montanha, ainda assim, ao final chegará ao mar (poético e útil).


Se formos designar o destino como sendo apenas a reação, certa, para os atos anteriores, e assim algo que está invariavelmente previsto (a partir do momento que acontece a ação que gerou a condição/necessidade para haver tal reação), estaríamos dando ao destino os seus limites, para assim co-existir com o Livre arbítrio. Assim, voltando ao ponto de vista do ser humano, o destino seria conseqüência do livre arbítrio. Suas escolhas determinam seu destino. Isto parece ser o mais óbvio, sendo o destino passível de alterações, conforme o agente, cujo destino estava traçado, utiliza-se de seu livre arbítrio. Além disto, o destino pode ser alterado devido à ação de agentes externos. Algum andarilho a procura do rio, poderia, ao passar em baixo da macieira e ser surpreendido com o choque da maçã em sua cabeça, e por puro reflexo segura-lá, mudar (mesmo que sem dar muita importância a isto) o destino da maçã. Antes, ela iria ao chão, com um pouco de sorte, se abria, após ser parcialmente aproveitada pelos pássaros, e deixando algumas de suas sementes penetrarem no chão, daria inicio a um novo ciclo da vida. Porém, seu destino fora mudado, e o andarilho chega ao rio, lava a maçã e a come, e impossibilita suas sementes de chegaram ao chão, jogando-as em um saco de lixo (o rio fica em um parque que tem lixeiras instaladas pela prefeitura). Em seguida, utilizando suas mãos, o andarilho, satisfaz seu já sedento corpo, com a água doce do rio.

Em casos como o da maçã, tanto ela quanto o andarilho distraído, não utilizaram do livre arbítrio, a maçã provavelmente por não ter esta opção, e andarilho porque fora surpreendido com a maçã e não a objetivava. Nem mesmo a água, que seguia seu curso, pode ser culpada por ter sido ingerida, e o andarilho apenas seguiu seu destino que era chegar ao rio e beber de sua água. Para o episódio narrado o destino era claro, esta maçã não iria até o chão e o andarilho cruzaria com ela e a comeria, e ao chegar ao rio, mesmo sem saber, privaria algumas gotas de água de conhecerem a imensidão do mar, tudo perfeitamente previsto. Assim, mesmo que estivéssemos considerando fatores externos, como as influencias psicológicas que interferem nas decisões ou mesmo das influencias sob nosso humor, que exercem os astros dependendo de sua posição zodiacal, ainda assim, estes fatores também não utilizam de nenhum tipo de livre arbítrio (fazem apenas o que estão condicionados a fazer), logo o destino passaria a ser, algo mais complexo, porém continuaria imutável, podendo ser previsto. Estas influencias agiriam de forma previsel, sendo que os fatores psicológicos foram quem levaram o andarilho a andar, e a posição do astro rei do sistema solar, o sol (bem em cima de sua cabeça), com certeza o influenciou a beber a água. Mas tudo facilmente previsto (nem tão fácil, porem concebivelmente possível).

Porém a mutabilidade ocorre quando o livre arbítrio é utilizado, já que se não existir, tudo pode ser traçado, por mais complicado que seja antecipar toda a cadeia de ações e reações que todos os agentes em conjunto podem ter, é possível determinar os acontecimentos, já que nenhum poderá agir de forma diferente da qual está previamente condicionado. Se neste cenário incluirmos o livre arbítrio, condição onde qualquer opção pode ser tomada, inclusive a de não interagir, ou executar exatamente o contrário do que seria aquilo para o qual o agente está apto a fazer (ou fora destinado a fazer), ai sim, o destino, do cenário todo e de seus agentes em particular, seria impossível de ser previsto.

Como prever os acontecimentos se colocarmos livre arbítrio no andarilho? Poderia ele ignorar o surgimento da maçã (apesar de não poder ignorar a dor do choque), e devido a sua sede seguir sem interrupções até o rio, deixando assim o destino da maçã ser uma linda arvore. Poderia ainda, enfurecer com o acontecimento e jogar a maçã muito longe e desviar seu caminho (talvez pensando que foi um sinal do destino de que a direção a seguir era outra), deixando assim de ir ao rio e a água seguiria seu rumo em direção ao mar. Poderia ele não fazer nada, nem ter começado a andar, logo, nem andarilho ele mais seria!!!

Fica claro assim, que se realmente temos o livre arbítrio o destino jamais existiu e se existe algo que fora arquitetado para nossas vidas, somos como o camundongo. Apesar de acreditarmos que temos escolha, estas jamais poderão nos levar para fora dos limites do grande labirinto de nossa existência.

Para que exista, labirinto tão complexo, seria necessário um arquiteto muito engenhoso, e talvez algum cético diga que tal engenhosidade dificilmente exista. Já um labirinto com a complexidade suficiente para abrigar um camundongo, o homem pode criar (se tiver interesse para tanto). Este labirinto, projetado pela mente humana, poderia ter uma distância entre os seus limites, que na velocidade de um camundongo, muitas vidas seriam necessárias para percorrer todo o percurso. Poderia ainda, ter o labirinto, tantas variedades de ambientes e objetos em seu caminho, que o mais provável seria que o camundongo fixa-se residência em algum ponto qualquer, dispensando a procura de uma saída. O labirinto poderia servir, com certos obstáculos que ocupem o tempo do camundongo, todo o tipo de conforto necessário a sua vida, como comida, água e até outros camundongos, com os quais o primeiro poderia interagir. Poderia ele ainda, procriar, e após sua morte, seus descendentes continuariam a usufruir dos confortos deste labirinto, com todo o livre arbítrio de que necessitam, podendo escolher entre múltiplas opções que se apresentam, as quais seriam tantas quantas as suas vontades e, ainda assim, somente uma pequena quantidade, do leque de possibilidades, teria sido usufruída.





Nosso querido camundongo, devido a suas limitações, jamais poderia compreender a existência de um arquiteto por traz do grande labirinto em que vive. Assim, para nós seres humanos, pode ser correto afirmar que é mais provável que não exista um arquiteto, por falta de interesse que este teria em arquitetar todo o nosso destino, do que por ser, ele, um ser complexamente inconcebível.



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