terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A lenda das filhas do amor


Certa noite, a deusa do amor caminhava por sobre a terra, muito antes da contagem do tempo dos seres vivos.

Ela admirava a criação de longe e até então, nunca tinha visto tão de perto este berço da vida que estava sendo esculpido em um canto do Universo.

Era um lugar extremamente quente onde o próprio ar queimava. Por onde se olhava, vulcões explodiam jorrando um calor ainda maior vindo do ventre do novo planeta que era esculpido. Do lado escuro, onde a deusa caminhava, as trevas se tremulavam atrás de um brilho vermelho de lava e fogo.



Haviam seres, e estes seres eram as forças do universo, chamados de escultores. E disse vagarosamente o senhor dos escultores, com uma voz estrondosa que parecia um trovão: 

 - Cuidado senhora da beleza e rainha da paixão, há de chegar a hora em que sua parte nesta obra será necessária, mas neste momento, somente o que corre por esta terra é o calor. 

 - E não seria também o calor, a melhor forma de manifestar a dor da transformação por que passa estas terras? - Respondeu a deusa. 

 - Rochas gigantescas são arremessadas para este pequeno planeta todos os dias e explodem a si próprias e ao solo, causando terremotos. O próprio chão sede sob seu peso e suas partes se chocam dilacerando rochas e implodindo montanhas. O ar queima e tudo arde em chamas. O que vedes nada mais é que uma obra inacabada queimando a si própria. - Continuou o escultor. 

 - Existirá um tempo para a paixão e existirá um tempo para o amor. Meu caminhar por aqui nada mais é que inspiração. Assim como  a arte de esculpir nasce do embate das forças, também assim, serão moldados os sentimentos que estão por vir. E a paixão nada mais é que um fogo que consume a tudo que está próximo e um calor que ofusca todos os sentidos. Sente-se na pele, mas também sentirá no coração. - Profetizou a deusa.

E enquanto falava, seus cabelos antes sem cores, agora brilhavam em escarlate, como que se ardendo em brasa. E as jarradas de vento e calor cessaram. Os terremotos se acalmaram. As pedras que caiam do céu o tempo todo, já não caíam mais. A própria força do tempo, que jamais parará, por um momento vacilou. E todas as poderosas forças, os escultores, pararam por um instante e admiraram o esplendor e a beleza da deusa. 

 - Que esta imagem de beleza possa um dia tocar os corações dos homens. - disse o escultor.

 - E após a tempestade há de vir a calmaria. E todo o calor se resfriará para dar lugar a vida que anceia por surgir. Assim também será o amor, que há de vir após o calor da paixão, e será na sua calmaria que a vida florescerá e dará seus frutos. 

E a Deusa, que era bela e sábia, se compadeceu deles e em um singelo olhar, deu poderes as forças para que estas pudessem conceber mais que rios fogo e rochas sem brilho. E de todas as forças, somente o tempo que é quem pode ver mais longe que qualquer outro, viu o que seria moldado do ardor das lavas e seria esculpido ao longo dos séculos que se seguiriam.

Assim, por alguns lugares por onde há muitas eras atrás a deusa caminhou. Onde antes correntezas de larva corriam por entre rochas encandecestes. Um pequeno punhado da beleza da deusa fora aprisionada em pequenas gemas vermelhas, que milênios depois, foram chamadas de Rubis. Tão raros que dentre milhões e milhões de pedras, apenas uma ínfima parte delas possui as características para se dizerem preciosas. Mesmo das preciosas, poucas conseguiram capturar o vermelho do início dos tempos, fazendo, apenas uma vaga lembrança dos tempos primordiais. 





Assim, por escolha da deusa, tornou-se o vermelho a cor do amor.








Dizem que a assim como o mundo se encantou pela deusa, ela também se encantou pelo mundo e até hoje parte de seu espírito continua vagando pela terra. Alguns dizem que, alguns poucos e agraciados seres, talvez apenas um em cada era, é escolhido ao capricho da deusa, para espalhar o amor por todo o planeta. Alguns dizem que estes seres são as filhas do amor, que seduzem homens e mulheres, não com seu corpo mas com sua alma e mostram a eles mais do que o calor do corpo, mas também a chama do coração.


Dizem, que assim como um o mais belo rubi, encerra em si o vermelho dos tempos primordiais, também as filhas da deusa tem esta mesma cor refletida em seus cabelos.




fim.